A advogada Flora de Almeida, 29 anos, é o
retrato desse crescente tipo de devoto. Criada por pais católicos não
praticantes, ela sempre sentiu falta de professar uma religião. “Mas não
me sentia à vontade em instituições cheias de dogmas e regras nas quais
não acredito”, diz Flora. Em 2012, enquanto enfrentava o término de um
relacionamento amoroso, ela decidiu buscar apoio na umbanda, fez um
curso e começou a trabalhar em um terreiro. Meses depois, no entanto,
conheceu o candomblé e se apaixonou. Hoje ela é “filha” do sacerdote
Armando de Ogum e ainda está assimilando os conceitos de sua nova fé. “É
como se eu voltasse a ser criança. Tenho que aprender tudo do zero, e é
um aprendizado muito bonito. Fui acolhida dentro de uma família”, diz.
As religiões de matriz africana chegaram ao
Brasil entre os séculos XVI e XIX, trazidas pelos escravos, alguns
deles sacerdotes, que eram traficados para cá. Como, naquela época, a
única religião aceita no País era o catolicismo, os devotos dos orixás
tiveram que se comportar como cristãos, frequentando ritos e cultuando
santos católicos. Dessa mistura entre tradição africana e influência
europeia nasceu o candomblé – que une a devoção aos orixás com conceitos
da religião católica –e posteriormente a umbanda, misto de culto aos
orixás, com preceitos kardecistas e crenças indígenas. “As religiões
afro-brasileiras nasceram marginalizadas e, ao longo do tempo, foram
estabelecendo laços com pessoas influentes, que ajudavam a diminuir o
preconceito na sociedade em geral”, diz Reginaldo Prandi,
professor-sênior do departamento de sociologia da Universidade de São
Paulo (USP) e autor do livro “Mitologia dos Orixás”. “As pessoas de
classe média e alta já vêm se integrando aos cultos afro há muito tempo,
mas são discretas devido às suas posições sociais”, conta o sacerdote
Rubens Saraceni. “Mas essa integração, principalmente à umbanda, cresce
cada vez mais.”
Na esteira do aumento do grau de instrução dos fiéis das religiões afro
surgiram escolas e cursos de umbanda e candomblé, que ensinam os
conceitos teológicos por trás das atividades praticadas nos centros
religiosos. Já existe até uma faculdade de teologia umbandista
reconhecida pelo Ministério da Educação (MEC), a Faculdade de Teologia
Umbandista (FTU). Outro setor que prospera com a inserção dos mais
abastados nos cultos de matriz africana é o do comércio de artigos afro.
Só a loja Mãe África, considerada a maior do País, oferece mais de dois
mil itens em 340 m2 de área – o mais caro deles, uma peça em bronze que
reproduz uma rainha iorubá (grupo étnico africano), custa R$ 15 mil. “A
ideia de que as religiões afro são coisa de gente pouco instruída ou
pobre está totalmente errada”, diz Prandi. “Hoje, a camada mais pobre do
Brasil, a base da pirâmide, é, em sua maioria, evangélica.”
Nascida em uma família de classe média católica e com ascendência
oriental, a empresária Juliana Ogawa, 37 anos, presenciou de perto a
mudança no perfil dos fiéis afro. Aos 13 anos, levada por um tio, ela
procurou a umbanda pela primeira vez, atrás de uma cura ou explicação
para as dores de cabeça que sentia constantemente, e que não foram
diagnosticadas. Durante os sete anos seguintes, ela se dedicou à
religião, descobriu-se médium, mas abandonou os rituais, procurou outras
formas de exercer sua espiritualidade e só voltou para a umbanda em
2009. “Antes, era raríssimo encontrar alguém com ensino superior. Hoje,
todas as pessoas da casa que frequento têm terceiro grau completo”,
conta Juliana. Assumir sua opção religiosa, no entanto, não é mais fácil
atualmente do que há duas décadas. “O preconceito ainda existe e parece
até pior do que antes, por conta do avanço dos evangélicos
neopentecostais, que são contra os cultos afro”, diz ela. “Os
neopentecostais tratam as religiões de matriz africana como inimigas e
esse intenso combate contribui para a evasão dos mais humildes”,
acrescenta Prandi.
Jornalista Paulo Rebelo http://www.istoe.com.br/reportagens/374654_AS+RELIGIOES+AFRO+CONQUISTAM+A+CLASSE+MEDIA
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