O roteiro é quase sempre o mesmo: numa igreja lotada de fiéis, o pastor informa que há ali uma alma atormentada. O anúncio é seguido pela entrada de um homem em espasmos, agarrado por um grupo de funcionários do templo. Ele se apresenta como Exu e responde a uma série de perguntas feitas por outro homem, que se identifica como pastor. Diz que quer destruir a vida do incorporado, frequentador de terreiros de candomblé. Mas admite ser fraco e acaba subjugado pela força divina.
A cena se repete em milhares de vídeos encontrados na internet. “Macumbeiro desafia pastor e se converte a Jesus”, “Expulsando 500 demônios e arrancando a macumba” e “Testemunho de ex-macumbeiro” são os títulos de alguns deles. Ainda que tenham sido removidos os filmetes ofensivos que deram início à controvérsia envolvendo o juiz da 17ª Vara de Fazenda Federal do Rio de Janeiro Eugênio Rosa de Araújo - que afirmou que candomblé e umbanda não se configuram como religiões -, insultos parecidos continuam a proliferar na rede.
- A internet tem sido usada de forma deliberada. As pessoas acham que a rede é terra de ninguém, então, atualmente, esse é um dos principais meios de disseminação das ofensas - afirma o delegado Henrique Pessoa, designado pela Polícia Civil para acompanhar os casos de intolerância religiosa no Rio. - Esse tipo de ação tem dificultado muito o trabalho de conter a discriminação. Há sites com insultos hospedados no exterior. E, mesmo quando os vídeos são retirados, pouco tempo depois, outros são colocados no ar.
- A internet tem sido usada de forma deliberada. As pessoas acham que a rede é terra de ninguém, então, atualmente, esse é um dos principais meios de disseminação das ofensas - afirma o delegado Henrique Pessoa, designado pela Polícia Civil para acompanhar os casos de intolerância religiosa no Rio. - Esse tipo de ação tem dificultado muito o trabalho de conter a discriminação. Há sites com insultos hospedados no exterior. E, mesmo quando os vídeos são retirados, pouco tempo depois, outros são colocados no ar.
Uma busca rápida no YouTube indica as proporções do problema. A combinação dos termos “candomblé” e “demônio” resulta em 7.290 ocorrências. “Umbanda” e “Lúcifer”, em 4.610. Já a expressão “Ex-pai de santo” está associada a 13.600 vídeos da plataforma. Além de rituais de exorcismo, o material encontrado na web mostra um festival de ofensas às religiões de matriz africana, associadas erroneamente ao demônio. Em um deles, um pastor diz que uma mulher incorporada por Iansã - orixá das tempestades e ventanias na mitologia do candomblé - faz sexo com o diabo. Outro mostra a viagem de um pastor que vai à Bahia com a missão de desenterrar um despacho. Em um terceiro, um religioso diz que um jovem que “vive no homossexualismo” está incorporado por Lúcifer, mas agora fará “um pacto com Deus”.
A polêmica sentença do juiz do Rio se referia a 15 vídeos com conteúdo similar. Um deles mostrava uma “ex-macumbeira” relatando sua conversão a uma religião neopentecostal. Em outro, é exibida uma “entrevista com o encosto”. Havia ainda a apresentação de um “jovem ex-pai de santo manifestando um demônio na hora da reconciliação”. A ação que levou à retirada do material foi movida em fevereiro pela Associação Nacional de Mídia Afro (ANMA). O grupo pedia ao Ministério Público Federal que acionasse a Justiça para solicitar ao Google, proprietário do YouTube, a remoção dos filmetes, postados por pastores ou representantes de igrejas evangélicas. Depois de despertar a ira de adeptos do candomblé e da umbanda, Eugênio Rosa de Araújo reviu os fundamentos da sentença e admitiu o erro. Em junho, uma decisão liminar da 2ª Região da Justiça Federal determinou a retirada dos vídeos do ar.
Diretor da Associação dos Pastores e Ministros Evangélicos do Brasil, Carlos de Oliveira diz que as cerimônias mostradas pelos vídeos são usuais em igrejas evangélicas neopentecostais e que o ritos não configuram desrespeito às religiões afro-brasileiras.
- Vivemos em um país democrático, e o lindo do país democrático é liberdade de religião. Há pessoas que adoram Satã. Elas sabem que o diabo sai pra fazer coisas ruins, mas resolvem adorá-lo. Mas nós consideramos que alguns personagens da religião africana não fazem o bem. Se a pessoa quer continuar com aquele ser, tudo bem. Mas, se procura ajuda, a igreja evangélica oferece a porta de libertação. O que não significa que o candomblé não tenha legitimidade de existir - opina o pastor da Assembleia de Deus.
Já o Google explica que não exerce censura prévia dos conteúdos do YouTube. Quando usuários do site sinalizam vídeos que podem violar diretrizes, a equipe revê o material para avaliar se deve removê-lo. “Não cabe aos responsáveis por plataformas digitais o papel de balancear direitos fundamentais, como liberdade de expressão e liberdade religiosa, para determinar quais conteúdos devem ou não ser removidos. Tal papel é exclusivo do Poder Judiciário. Se houver uma ordem judicial determinando a retirada do conteúdo, o Google irá cumpri-la”, acrescenta a empresa.
A importância da ação do Estado no controle da discriminação religiosa é destacada pelo advogado Hédio Silva Junior, que representou a ANMA no caso dos vídeos retirados do ar:
- O Brasil tem uma sociedade diversa do ponto de vista cultural e religioso. Em um contexto como esse, o Estado tem o papel de fomentar a convivência pacífica e garantir que todas as religiões sejam respeitadas - afirma o advogado. - Entendo que o país precisa de uma lei que discipline a liberdade de crença, que faria com que grupos minoritários se sentissem mais protegidos. O que o ocorre hoje é que as religiões chamadas majoritárias, sobretudo as que preservam uma proximidade com Estado, têm também suas decisões mais respeitadas.
Jornalista Paulo Rebelo
Fonte http://oglobo.globo.com/sociedade/videos-com-ofensas-candomble-umbanda-se-multiplicam-na-internet-13555484#ixzz3AkwcKqbO
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