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sexta-feira, 15 de agosto de 2014
O TERROR DA CORRUPÇÃO DO GOVERNO BRASILEIRO
O Templo de Salomão construído pela Igreja Universal, de Edir Macedo, causou rebuliço nas últimas semanas. Comentários, análises, críticas e defesas foram feitas às dezenas nos jornais e nas redes sociais, e pipocaram fotos de autoridades políticas - às vésperas das eleições - na solenidade de abertura do santuário. Dessas fotos, uma me chamou a atenção de modo especial: estavam o governador estadual Geraldo Alckmin (candidato à reeleição para governador), o vice-presidente Michel Temer, a presidenta Dilma Rousseff (também candidata à reeleição), o prefeito Fernando Haddad (cujos índices de aprovação da gestão tem despencado, injustamente em minha opinião, mas isso é tema para outro texto), dentre outros, enfileirados e comportados, assistindo solenemente a cerimônia.
Evidentemente, convites para a participação em solenidades são feitos aos montes (e atendidos aos montes também), mas acredito que a foto ilustra o crescente papel da religiosidade nas eleições, principalmente a partir de 2002, contexto no qual a aproximação de candidatos em relação a líderes religiosos começou a ganhar destaque. Por exemplo, Haddad, que tem apresentado uma gestão progressista e de cunho social em termos de direito à cidade e planejamento urbano, não criticou - sequer comentou - a construção do templo, que tudo indica ser irregular. O templo foi construído irregularmente por ter obtido alvará de reforma (e não de construção), de modo que a Universal se livrou de uma série de encargos e prestações que deveria cumprir, como a concessão de 5% (no caso, seriam mais de 34 milhões de reais) para obras de mobilidade urbana.
O fato é que criticar o templo pega mal, partidos políticos e seus integrantes temem o peso do voto evangélico. Caso Haddad criticasse abertamente a construção, as chances de a oposição usar isso para tentar angariar votantes entre a população protestante seriam enormes. Em todo caso, o templo é - creio eu - algo razoavelmente inofensivo. A relação sobre evangelismo e política torna-se mais complicada quando paramos para pensar nos efeitos da religiosidade em debates relativos a direitos fundamentais.
Dois pontos relevantes que todos devem ter em mente sobre a delicada relação entre religiosidade e política no Brasil: primeiramente - um ponto levantado recentemente em entrevista pelo comentarista político Kennedy Alencar - as disputas por votos tiram proveito da confusão que a população faz entre poderes. Quando um candidato à presidência, por exemplo, pergunta ao opositor sua opinião sobre um tema controverso, como a legalização da maconha, cria-se uma situação de mal-estar para o perguntado, porque ele não é responsável por alterações na legislação sobre tal assunto. Essa competência cabe ao Legislativo, mas caso o presidenciável diga-se a favor ou contra, ele se queima com um dado setor de eleitores. Em outras palavras, mesmo que se eleja um presidente a favor de legalização da maconha, isso não implica na legalização, porque essa competência cabe ao Congresso.
Em segundo lugar, o número de evangélicos no Brasil é crescente, atualmente em torno de 22% da população, mas ainda não é - por si - decisivo nas eleições, especialmente se considerarmos que a adesão dos votantes evangélicos às diretrizes políticas de seus pastores não é absoluta, conforme salientado pelo historiador Marco Antônio Villa. Em todo caso, a bancada evangélica no Congresso conta com mais de 70 membros, e pretende aumentar esse número em pelo menos 30% no próximo pleito. Trocando em miúdos, isso implica dizer que apesar de os evangélicos - sozinhos - ainda não serem uma força decisiva no jogo político, são certamente uma força crescente, que deve ser considerada.
Temos assim uma situação complicada em termos de garantias de direitos fundamentais, em especial de minorias, e de discussões sobre temas polêmicos, como o aborto ou a descriminalização das drogas. As complicações, a meu ver, são de três tipos: no primeiro tipo, candidatos ao Poder Executivo estrategicamente param de se manifestar, ou o fazem de forma muito vaga, sobre tais assuntos (quando não adotam explicitamente posições conservadoras). O segundo tipo de complicação corresponde à aproximação de muitos candidatos a líderes religiosos que não necessariamente apresentam as melhores intenções em relação a grupos minoritários. Finalmente, o terceiro tipo é a paralisação de pautas que promovam direitos de minorias ou debates sobre assuntos polêmicos no Legislativo, aí sim, decorrente do crescimento da bancada evangélica.
Quais as consequências dessa situação para a política? Em minha leitura, são duas as principais consequências, as quais pretendo apontar esquematicamente nesse texto. A primeira consequência é a tendência à intensificação da muito debatida "judicialização da política", ou seja, minorias sociais, ONGs e outros agentes políticos tendem a levar suas reivindicações ao Judiciário, uma vez que garanti-las pela via tradicional do Legislativo tem se tornado cada vez mais difícil. Trata-se de algo perceptível, conforme pudemos acompanhar nas ações sobre união estável homoafetiva e descriminalização do aborto realizado no caso de fetos anencefálicos, casos nos quais havia grande pressão da bancada evangélica para que as pautas não avançassem no Legislativo. O processo de judicialização provoca, de um lado, a garantia de direitos pela esfera judicial, a partir da atuação de juízes não-eleitos, e de outro, um esvaziamento da legitimidade do próprio Legislativo, que passa a ser visto por muitos setores da sociedade como conservador ou mesquinho.
A segunda consequência é a perda de força dos direitos no jogo político. Para efeitos de ano eleitoral, essa me parece a consequência mais relevante. Liberdades que são consideradas direitos fundamentais são transformadas em moeda de troca eleitoral, pois para agradar os setores religiosos - usualmente mais conservadores - candidatos aos mais diversos cargos podem se comprometer a promover verdadeiras "caças às bruxas", ou se prendem ao silêncio incômodo da anuência com o absurdo (é estarrecedora, por exemplo, a falta de manifestações das autoridades em relação à violência religiosa que têm sofrido os praticantes de umbanda e candomblé). A tragédia que disso decorre é - para fazer um uso livre das expressões do filósofo Ronald Dworkin - uma conversão dos direitos, que são uma questão de princípio, em mera questão de politicagem.
http://www.brasilpost.com.br/daniel-murata/silencio-incomodo_b_5675497.html
Jornalista Paulo Rebelo
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